Manter uma alimentação saudável vai muito além de fazer boas escolhas no supermercado. Para milhões de brasileiros, especialmente trabalhadores que enfrentam jornadas exaustivas e vivem em grandes centros urbanos, a combinação de fatores como inflação dos alimentos, distância entre casa e trabalho e falta de acesso a produtos in natura torna essa tarefa desafiadora — e muitas vezes inviável.
Segundo especialistas em nutrição e saúde pública, o cenário alimentar no Brasil é fortemente influenciado por desigualdades estruturais. A pesquisadora Isabel de Paula, da Universidade Federal Fluminense (UFF), destaca que as decisões alimentares não dependem apenas de conhecimento nutricional, mas de estímulos constantes do ambiente urbano — onde propagandas de fast food e alimentos ultraprocessados estão por toda parte.
Quando o tempo e o bolso pesam mais do que a vontade
De acordo com o nutricionista Luis Castello, preparar refeições saudáveis para a semana pode consumir ao menos cinco horas — tempo que grande parte da população não dispõe. “É cruel exigir uma alimentação ‘ideal’”, afirma. Isso se agrava com a precariedade no transporte público: um estudo da USP (2021) apontou que apenas 16% das famílias em São Paulo acessam o trabalho em até uma hora de deslocamento.
Além da falta de tempo, o custo também é um empecilho. Desde a pandemia, os preços de frutas, verduras e legumes dispararam, enquanto alimentos ultraprocessados à base de milho e soja — beneficiados por incentivos fiscais — tornaram-se cada vez mais acessíveis. Ou seja, mesmo sabendo que arroz, feijão e salada são mais saudáveis, é mais fácil e barato optar por um pacote de macarrão instantâneo.
O que são desertos e pântanos alimentares?
O Brasil convive com os chamados desertos alimentares, regiões onde há escassez de estabelecimentos que ofereçam alimentos frescos. E também com os pântanos alimentares, onde o que predomina são opções altamente industrializadas, pobres em nutrientes e ricas em sódio, açúcares e gorduras.
Segundo estudo do governo federal, essas áreas estão fortemente concentradas em regiões periféricas e urbanas — e impactam diretamente a saúde da população, que tem poucas chances de escolha alimentar consciente.
Como é possível, então, comer melhor?
Para especialistas como Renata Galvão Cintra, professora de nutrição da Unesp, o primeiro passo é adaptar a alimentação à rotina real. “É melhor pensar em estratégias individuais do que restringir”, disse em entrevista à Folha de São Paulo.
Confira algumas dicas práticas:
- Invista no planejamento semanal. Preparar porções maiores para congelar pode economizar tempo e garantir refeições mais nutritivas ao longo da semana.
- Prefira frutas fáceis de consumir, como banana, maçã ou uva, e folhas resistentes, como couve e espinafre, que duram mais na geladeira.
- Busque feiras de produtores locais. Além de preços mais acessíveis, elas costumam oferecer alimentos mais frescos e variados.
- Monte lanches práticos e transportáveis, como sanduíches com pão integral, tapioca com proteína (atum, sardinha) e snacks naturais.
- Aprenda a ler os rótulos. Quando só houver opções industrializadas, opte por aquelas com menor quantidade de ingredientes e menos aditivos químicos.
Políticas públicas fazem a diferença
Iniciativas que zeram os impostos de hortaliças, frutas e ovos, e programas focados em ampliar o acesso à alimentos saudáveis são passos importantes. No entanto, os especialistas defendem que essas ações precisam ser ampliadas e acompanhadas de medidas como a redução da jornada de trabalho e maior apoio à feiras e hortas urbanas.
Alimentação saudável não deve ser um privilégio
Promover hábitos alimentares equilibrados exige mais do que informação — é preciso acesso, tempo, infraestrutura e políticas públicas comprometidas com a saúde da população. Enquanto isso, adaptar a rotina e buscar soluções viáveis no dia a dia é essencial para tornar o ato de comer algo mais leve, consciente e, sobretudo, possível.